Edilene Candido
Edilene Candido

Mudar de país: relatos de uma imigrante

Mudar de país: relatos de uma imigrante

Resumo: O artigo “Mudar de país: relatos de uma imigrante” apresenta a experiência de Cinthia Cofferi, uma brasileira que deixou o Brasil há cinco anos para viver em Portugal e agora se prepara para uma nova mudança, desta vez para a Dinamarca. A entrevista traz reflexões sobre os desafios de se adaptar a diferentes culturas e a importância de paciência e atenção à saúde mental durante esse processo. A psicóloga Beatriz Zanetti comenta os relatos, destacando a necessidade de autoconhecimento e preparação para as transformações que ocorrem em várias áreas da vida ao imigrar.

Entrevista: gaúcha, 2 filhos, marido, viveram 5 anos em Portugal, agora seguem para a Dinamarca

A nossa entrevistada Cinthia Cofferi saiu do Brasil para viver com a família em Portugal há 5 anos. Perguntamos a ela sobre a experiência de mudar pela primeira vez e, agora, como ela se preparou para mudar para outro país.

A psicóloga Beatriz Zanetti, que comenta esta entrevista, oferece algumas dicas importantes para esse processo: “a importância do autoconhecimento e da auto-observação. É fundamental reconhecer seus próprios pensamentos e sentimentos.”

Reduzir as expectativas e se preparar mentalmente para as complexidades da mudança de país é fundamental. Muitos imigrantes têm a expectativa de uma transição tranquila, mas enfrentam desafios inesperados como burocracia, dificuldades na obtenção de documentos e inserção profissional.

Alinhar expectativas e estar preparado para adversidades ajuda a mitigar o choque emocional e o sentimento de frustração. Investir na aprendizagem de línguas e em terapias são formas eficazes de preparação mental, além de pesquisar detalhadamente o novo destino antes da mudança.

Segue abaixo a entrevista com Cinthia Cofferi e comentários da terapeuta Beatriz Zanetti:

Como foi sua experiência de adaptação ao mudar do Brasil para Portugal?

“Acho que foi boa, acho que eu me adaptei bem. Não tive dificuldades em relação ao clima, porque eu venho já de uma região de clima frio no Brasil, então o clima de onde eu vim é muito semelhante com o daqui. E eu vejo que essa é uma questão para muitos dos brasileiros que vêm de regiões mais quentes, então é importante levar isso em consideração. As maiores dificuldades foram a língua porque embora nós falemos a mesma língua existem palavras e um vocabulário muito diferente. A maneira de se expressar é muito diferente também, então foi a língua e também entender a forma de se comunicar dos portugueses que num primeiro momento me causava um pouco de angústia de sofrimento, porque eu interpretava como uma grosseria. Enfim, hoje eu vejo que eles têm formas é uma forma de falar mais direta e mais transparente que a nossa.”

A psicóloga Beatriz Zanetti ressalta a importância de “um olhar atento e flexível para questionar pensamentos que, à primeira vista, podem indicar algo, mas que podem não ser os mais precisos.” No exemplo citado, a entrevistada precisou perceber que o modo direto de se comunicar do português não era grosseria, mas apenas uma característica cultural.

Estar atento a esses detalhes pode reduzir a angústia. Carregamos referências culturais que, muitas vezes, nos levam a mal-entendidos ao nos depararmos com costumes de outras culturas. Neste artigo, poderá conferir algumas informações essenciais para cuidar desse ponto ao decidir morar fora.

Quais foram os maiores desafios mentais que enfrentou e como lidou com eles?

“A minha maior dificuldade a nível mental foi a dificuldade de inserção profissional. Eu não consegui me inserir profissionalmente na minha área. Em Portugal, enviei muitos currículos, tentei fazer muitos contatos e eu não senti uma abertura do mercado na minha área e eu julgo que seja em relação à idade porque vejo outras pessoas na minha área mais jovens que tiveram mais facilidade de se inserir, e também conheço pessoas que têm a minha idade ou mais e que também estão passando pela mesma dificuldade de se inserir no mercado. E também em relação ao inglês, os portugueses a maioria fala inglês com fluência.

Então, outra dificuldade mesmo foi ter saído do Brasil com uma carreira que estava em ascensão para vir para um país onde eu fiquei em casa, estudando línguas, gerindo a vida dos filhos, gerindo a casa, né? Fui uma dona de casa. E aí, geri essa frustração, né? Gerir também os conflitos que decorrem dessa frustração que acabam surgindo conflitos do relacionamento porque eu sempre quis ter a minha independência financeira e isso não foi possível. Então também ter que depender financeiramente do marido é uma questão que não estava confortável para mim, então foram essas as dificuldades mentais que eu tive que ultrapassar”. 

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Foto: arquivo pessoal de Cinthia Cofferi/ mudança para a Dinamarca

Alinhar as expectativas em relação ao mercado de trabalho no país de destino pode ajudar a reduzir frustrações e a desenvolver resiliência quando as coisas não acontecerem no tempo esperado ou conforme as expectativas inicialmente criadas.

Agora que está prestes a se mudar para a Dinamarca, como você está se preparando mentalmente para essa nova fase? Existe algo que está fazendo diferente em relação à sua mudança anterior?

“Ah, sim, a preparação é outra, totalmente diferente (…). Não posso dizer que foi a minha primeira experiência de mudança, porque antes de vir para Portugal, eu já tinha saído da minha cidade, da região onde eu vivi quase toda a minha vida. Eu tinha ido viver em uma outra região que tem uma cultura muito diferente, dentro do próprio estado no Brasil tem uma cultura muito diferente, e eu senti já dificuldade de adaptação à cultura, eu também senti dificuldade de me inserir profissionalmente lá então eu já tinha passado por uma mudança muito grande, já vivia longe mais ou menos, estava perto, mas já não via com tanta frequência minha família, já estava longe dos amigos, eu via eles a cada um ou dois meses, às vezes até mais.

Então, já era um clima um pouco mais difícil e já tinha essa questão profissional e quando eu mudei para lá, eu tinha meu bebê com seis meses, então eu já vivi uma maternidade mais solo, digamos assim, que meu marido trabalhava muito, ele tinha a própria empresa, passava muito tempo fora de casa e eu numa cidade onde eu até tinha amigos, mas as pessoas cada uma tinham suas vidas pra tocar e é uma cidade, uma cultura que se trabalha muito, então as pessoas focam muito no trabalho e tem pouca vida social e eu senti bastante dificuldade em relação a isso, então eu já vim pra Portugal com essa bagagem e agora indo pra Dinamarca mais ainda porque eu vim com expectativas do tipo “ah, tantos meses pra ter o documento, tantos meses para eu conseguir trabalho”…

Diminuir expectativas!

“Então eu vim pensando que eu teria meu documento ali depois de um mês. O meu marido tem cidadania italiana e eu pensei que isso facilitaria, quando na verdade eu demorei nove meses pra ter a minha permissão minha residência pra viver e trabalhar legalmente aqui.

Eu não quis aceitar trabalhos que não exigiam essa documentação, porque eles também não ofereciam contrato. E eu vim com essa expectativa de que eu estaria trabalhando em seis meses, e isso não se realizou. Então, foram nove meses para ter o documento.

Foram muitas dificuldades em relação à burocracia de Portugal (…). Então, assim, eu passei por uma gestação sem ter médico de família. Eu tive um parto no sistema público durante a pandemia sem ter médico de família, então foram algumas dificuldades que eu não pensava passar quando eu vim pra cá,  e que agora fazem com que eu também alinhe as minhas expectativas na ida pra Dinamarca.

Eu sei que tento pesquisar e me informar o máximo possível, mas também sei que às vezes a informação só a informação com que se encontra na internet com o relato das pessoas não é o suficiente, a vivência que a gente vai ter vai ser sempre pode ser sempre diferente”.

Você acredita que as expectativas culturais e sociais da Dinamarca são muito diferentes das de Portugal? Como isso impacta sua preparação mental?

“E as minhas expectativas culturais e sociais da Dinamarca são diferentes das de Portugal, sim. Pelo que eu ouço falar, é um povo que é um pouco mais reservado, ainda, que os portugueses. Acho que aqui tem a questão da língua, de falar a mesma língua que nos aproxima mais. Nós temos também muita interação cultural, Brasil com Portugal e Portugal com o Brasil. Portugal consome muita cultura brasileira, então tem muitas questões que, muitos pontos que nos aproximam e que com a Dinamarca não vai haver esse ponto em comum.

Eu tenho uma ideia de que essa questão, essa dificuldade profissional que eu enfrentei aqui pode não ser igual lá, porque lá, culturalmente, existe um hábito, ou é mais comum, digamos assim, que as famílias, ou um dos genitores interrompa por um tempo a sua carreira, ou faça uma pausa, ou diminua o ritmo, porque no momento em que tem filhos. Então, eu penso que essa questão de interrupção de carreira ou de idade não vai ser um ponto que dificulte a minha inserção profissional.”

Investir em uma segunda língua

“A minha preparação mental é a nível de também tentar me preparar em relação à língua, porque eu acho que a comunicação é um ponto-chave muito importante em qualquer lugar que a gente vai viver.

Então, é isso que eu tenho tentado fazer. Como o estudo do dinamarquês, ele parte do inglês, eu, num primeiro momento, não vou estudar dinamarquês, vou focar em melhorar o meu inglês. Já estou estudando, e lá, estando exposta à língua, eu penso que o meu aprendizado vai ser ainda melhor.

E quando estiver com um nível de inglês melhor do que o que eu estou agora, eu vou buscar o estudo dinamarquês também, porque acredito que esse seja um ponto muito importante na inserção cultural e social.

Outra coisa, nós buscamos viver, dessa vez, em um condomínio de casas, e é um condomínio que é conhecido por proporcionar essa interação entre as pessoas, e também, inclusive, de outras culturas, de outros países.

Então, eu tenho uma expectativa de que, tendo buscado viver nesse condomínio, a nossa inserção social e cultural também vai ser um pouco mais facilitada, porque, diferentemente, se nós fôssemos viver numa casa isolada.”

Quais práticas ou recursos você considera essenciais para manter a saúde mental durante um processo de imigração?

“Saúde, estar saudável e bem disposto, isso inclui verificar níveis de vitaminas, por exemplo, agora eu tô já suplementando a vitamina D, porque eu sei que nós vamos, eu e a família, nós vamos ter região que é menos ensolarada, então essa é uma questão, é um ponto.

Alimentação, se alimentar bem. Terapia, eu não fiz, mas é algo que eu pretendo agora na Dinamarca retomar. Atividade física é fundamental, eu acho que sem atividade física eu não teria conseguido, acho que talvez eu nem estaria mais aqui, porque também era uma forma, como eu não trabalhava, era uma forma de sair, movimentar o corpo, me fazia muito bem também, a nível mental, e tentar fazer amigos e movimentar uma vida social.”

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Foto arquivo pessoal: Cinthia Cofferi

A importância da rede de apoio!

A nossa terapeuta convidada Zanetti comenta sobre o entendimento que precisamos ter a respeito das amizades em outro país: “você levou 30 anos (uma média) para construir a rede de apoio que você tinha, 30 anos ou mais. Você levou uns 20 anos para estar no lugar profissional que você estava. Não é realista pensar que em três meses você vai estar no mesmo lugar”.

E Cinthia Confferi, nossa entrevistada completa:

“E para quem tem filhos dentro desse processo de vida social e fazer amigos, entrar em grupos de pessoas que também tenham filhos para tentar fazer amizades com outras crianças e construir uma rede de apoio, porque já que se está longe da família, construir uma rede de apoio é aquilo que vai também te possibilitar ter momentos, momentos tu e o teu companheiro ou companheira, companheire, ter um pouco de vida social sem ser familiar só com filhos.

Eu acho que isso também é importante, porque acho que também uma das dificuldades de estar morando longe da família é não ter uma rede de apoio com quem se possa contar para, por exemplo, deixar os filhos e sair só tu e o teu marido para jantar ou sair com uma amiga, com as amigas, com os amigos.

Nós aqui fizemos isso algumas vezes, porque nós construímos uma rede de apoio de outros brasileiros também, pessoas que a gente conheceu, confiou e conseguiu deixar nossos filhos em alguns momentos para fazer também coisas só nós, porque também eu acho que afeta muito a relação do casal. Ficar o tempo inteiro nessa rotina de só trabalhar e gerir a casa e filhos.” 

Preparando os filhos para a grande mudança!

Conclusão

Concluir que o processo de imigração vai muito além de uma simples mudança de local é fundamental. Envolve adaptações culturais, desafios emocionais e profissionais, além da necessidade de paciência e alinhamento de expectativas. A manutenção da saúde mental, o desenvolvimento de redes de apoio e o cuidado com o bem-estar físico são cruciais para enfrentar os obstáculos que surgem ao longo dessa jornada. Com uma abordagem de autoconhecimento e flexibilidade, é possível construir uma nova vida de forma mais equilibrada e resiliente.

E quero agradecer imensamente à Cinthia Cofferi por contribuir conosco neste post!

Entrevistada: Cinthia Cofferi, psicóloga, psicanalista,  profissional de recursos humanos, casada, mãe de uma menina de 8 anos e um menino de 4 anos. 

Contribuiu para este artigo: Beatriz Zanetti, Mestre em Educação para Carreira pela Vrije Universiteit Brussel, formada em Psicologia pela Universidade de Brasília, especialista em Terapia cognitivo comportamental. Já morou em 5 países nos últimos 11 anos e decidiu imigrar para a Bélgica, mãe de Esther com 1 mês de vida.


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